(para quem viu os filhos crescerem… e hoje vê o tempo recomeçar)
Hoje é domingo.
E o silêncio do sítio amanheceu cantando.
Não aquele silêncio vazio, mas o que fala
sem palavras,
como um velho amigo que senta ao lado
e apenas respira com você.
Lá fora, as crianças correm.
A poeira sobe, os gritos são felizes,
as mãos pegam terra como se pegassem ouro.
Brincam de descobrir o mundo
do mesmo jeito que, um dia,
meus filhos descobriram.
Ali mesmo, naquele chão onde hoje crescem laranjas,
onde uma vez cavamos juntos uma cova
pra enterrar um cachorrinho que não latia mais.
Meu peito se enche de uma saudade macia,
não daquelas que doem…
mas daquelas que aquecem,
como coberta antiga que guarda o cheiro
da infância, do colo, do tempo.
Vinte e cinco anos.
Tantos domingos se foram.
Tantas manhãs me viram mais novo,
me viram correndo atrás de bicicletas pequenas,
inventando nomes pra pros cachorrinhos perdidos,
gritando “não vai longe!” e, às vezes, chorando escondido
porque o mundo lá fora é grande
e o tempo leva, mesmo quando não pedimos.
Mas o tempo…
ah, ele também devolve.
Agora, estou aqui.
Sentado ao lado da mesma mulher que escolhi
quando ainda sabíamos pouco,
mas amávamos muito.
Ela, com os cabelos mais prateados,
e os olhos…
os mesmos olhos.
Que continuam me dizendo:
“Estamos vivos. E estamos juntos.”
O café na caneca, o cheiro do bolo vindo da cozinha,
o som da colher batendo no fundo da tigela,
a não tão velha TV com voz gostosa tocando modas antigas,
as folhas balançando devagar com o vento…
Tudo isso é tempo.
Tudo isso sou eu.
Sou aquele que viu os filhos crescerem com os joelhos ralados,
que ensinou a jogar bola de gude e a brincar de garrafão,
que carregou no colo e também deixou ir.
Sou agora o avô que observa,
que aprende a rir mais devagar,
que entende que a infância
não se perde,
ela se repete.
E se repete com mais doçura.
As crianças brincam.
E quando uma delas me chama de vô,
é como se o universo inteiro
me chamasse de novo pra brincar também.
E eu vou.
Mas antes,
fico aqui mais um pouco.
Na varanda do tempo.
Com minha mulher ao lado,
com os olhos cheios de tudo o que foi
e o coração aberto pro que ainda virá.
Porque no sítio,
onde tudo cresce no seu tempo,
até o amor
ganha raízes mais fundas.