Era uma vez um manguezal barulhento, cheiroso e cheio de vida. O sol passava por entre os galhos tortos das árvores, e os caranguejos andavam de ladinho como quem dança com o vento. Mas, naquele canto especial da natureza, havia quatro caranguejos que todo mundo conhecia. Não porque eram iguais aos outros, mas porque eram bem diferentes.
O primeiro se chamava Caco. Ele tinha só uma patinha dianteira, mas nem ligava. Sabia pular, correr e até dançar melhor que muito siri de duas. Quando os outros animais riam, dizendo “Ô, Caco, esqueceu uma pata em casa?”, ele sorria largo e respondia com leveza: “Esqueci não, deixei pra equilibrar a vida.” E dançava. Dançava como se o chão fosse música.
A segunda era Luna, que nasceu sem enxergar com os olhos, mas com uma luz por dentro. Ela caminhava pelo mangue como quem sente o mundo com a pele. Sabia quando vinha chuva só de sentir o cheiro do vento, e adivinhava as marés ouvindo as bolhas das ostras. Muitos animais cochichavam: “Como é que ela sabe onde ir, se não vê nada?” Mas Luna sorria tranquila: “Eu vejo com o coração. E ele nunca me perde.”
Zico era o terceiro. Um caranguejo meio maluco, cheio de ideias brilhando na cabeça. Falava com palavras difíceis e vivia misturando folhas, areia e gotinhas d’água em potinhos feitos de casca de coco. Os outros zombavam: “Zico vai inventar foguete de lama!” E ele dizia: “Pode ser... mas antes vou inventar um jeito de limpar a água e cuidar dos filhotes dos peixes.” E inventava mesmo.
A quarta era Nina, a carangueja que cantava com uma voz rouca, meio grave, diferente de todo mundo. Tinha bicho que ria e dizia que parecia rã resfriada. Mas quando Nina cantava, o mangue se calava. Até as garças de pernas longas paravam pra ouvir. Era uma voz que entrava nas folhas e fazia até a lama suspirar.
Apesar das risadinhas e das piadas que às vezes doíam, os quatro eram felizes. Sabiam que eram especiais. Sabiam também que, quando se uniam, nada era impossível.
Um dia, o mangue ficou estranho. Chegaram caminhões barulhentos, homens de botas pesadas, pás, ferramentas e um monte de papel com palavras como “construção” e “depósito”. Disseram que iam secar tudo e levantar um prédio ali mesmo.
Os bichos entraram em desespero. As garças bateram asas, os peixes se esconderam na lama. E os quatro caranguejos?
Se reuniram.
Caco bateu a pata no chão e disse: “A gente vai dançar, mas dessa vez é pra defender o nosso lar.”
Luna balançou as anteninhas e falou: “Se escutarem com o coração, talvez entendam o que não veem.”
Zico já estava cheio de ideias: “Vamos montar um festival! Com ciência, música, dança e amor.”
E Nina cantou baixinho: “O mangue vai falar... pela nossa voz.”
Naquela mesma semana, os quatro organizaram o Festival da Vida do Mangue. Convidaram todos: peixes, aves, crianças da vila e até os homens das máquinas.
Teve dança, e Caco rodopiou como se tivesse dez patas. Teve trilha de olhos vendados, guiada por Lila, para que todos aprendessem a sentir com o coração. Zico mostrou suas invenções mágicas, que limpavam a água e protegiam os ninhos. E Nina cantou uma canção tão bonita que até o vento ficou quieto pra escutar.
Na última nota, um dos homens chorou. E disse: “Nunca imaginei que o mangue tinha tanto amor.”
Eles foram embora. E prometeram proteger aquele lugar.
Desde então, o manguezal foi declarado território encantado, protegido por lei e por coração. Os quatro caranguejos deixaram de ser alvo de piadas. Viraram mestres, guias, artistas. Mostraram que ser diferente não é defeito. É detalhe de brilho.
E toda noite, quando a maré sobe e a lua dança no céu, dá pra ouvir uma canção vindo do mangue:
“Se o mangue vive, a vida canta...
e até a lama se encanta.”
Fim.